segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A vida cheia de meias porções!

Hoje acordei assim, com vontade de atirar para o ar algumas regras e lembrei-me que alguém tinha escrito sobre isto, fui ao meu arquivo e aqui está. Agora digam lá se de vez em quando não vos apetece ser assim?


Não há nada que me deixe mais frustrada do que pedir sorvete de sobremesa, contar os minutos até ele chegar e aí ver o garçon colocar na minha frente uma bolinha minúscula do meu sorvete preferido.
Uma só.

Quanto mais sofisticado o restaurante, menor a porção da sobremesa.
Aí a vontade que dá é de passar numa loja de conveniência, comprar um litro de sorvete bem cremoso e saborear em casa com direito a repetir quantas vezes a gente quiser, sem pensar em calorias, boas maneiras ou moderação.

O sorvete é só um exemplo do que tem sido nosso quotidiano.

A vida anda cheia de meias porções, de prazeres meia-boca, de aventuras pela metade.
A gente sai para jantar, mas come pouco.

Vai à festa de casamento, mas resiste aos bombons.

Conquista a chamada liberdade sexual, mas tem que fingir que é difícil (a imensa maioria das mulheres continua com pavor de ser rotulada de “fácil”).

Adora tomar um banho demorado, mas se contém para não desperdiçar os recursos do planeta.

Quer beijar aquele cara 20 anos mais novo, mas tem medo de fazer papel ridículo.

Tem vontade de ficar em casa vendo um DVD, esparramada no sofá, mas se obriga a ir malhar.
E por aí vai.

Tantos deveres, tanta preocupação em “acertar”, tanto empenho em passar na vida sem pegar recuperação...

Aí a vida vai ficando sem tempero, politicamente correcta e existencialmente sem-graça, enquanto a gente vai ficando melancolicamente sem tesão...

Às vezes dá vontade de fazer tudo “errado”.
Deixar de lado a régua,
o compasso,
a bússola,
a balança
e os 10 mandamentos.

Ser ridícula, inadequada, incoerente e não estar nem aí para o que dizem e o que pensam a nosso respeito. Recusar prazeres incompletos e meias porções.

Até Santo Agostinho, que foi santo, uma vez se rebelou e disse uma frase mais ou menos assim:
“Deus, dai-me continência e castidade, mas não agora”...

Nós, que não aspiramos à santidade e estamos aqui de passagem, podemos (devemos?) desejar várias bolas de sorvete,
bombons de muitos sabores, vários beijos bem dados,
a água batendo sem pressa no corpo,
o coração saciado.

Um dia a gente cria juízo.
Um dia.
Não tem que ser agora.

Por isso, garçon, por favor, me traga:
cinco bolas de sorvete de chocolate,
um sofá para eu ver 10 episódios do 'Law and Order',
uma caixa de trufas bem macias e o Richard Gere,nú, embrulhado para presente. OK?
Não necessariamente nessa ordem.

Depois a gente vê como é que faz para consertar o estrago. . .

CRÔNICA DE DANUZA LEÃO

4 comentários:

Fernando Santos (Chana) disse...

Olá Olinda, belo texto...Espectacular....
Beijos

joaninha versus escaravelho disse...

Tens toda a razão!
Mesmo que os estragos sejam grandes há-de haver uma forma de dar a volta à coisa. :D

ZeManel disse...

Eu ficar-me-ia por uma só bola de gelado de chocolate negro...!
Bjs :))

Unknown disse...

Por não me contentar com meia porção é que vim parar neste blog com um texto brilhante.