Estamos a criar pessoas e hábitos de consumo rápido e resultados falsos. Comida
feita e ingerida muito rapidamente, relações iniciadas e acabadas muito rapidamente. Tudo é comprado para durar uma época, as calças, a mala, o chapéu, o telemóvel,
a televisão, o carro, e por incrível que pareça, as amizades, que também se
conquistam quando nos interessa e se descartam quando já não têm mais nada para
dar…na procura de nos satisfazer agora, parque o amanhã, pelos vistos, não nos
interessa muito e o ontem menos ainda!!!
O que é triste, afinal estamos aqui de passagem e é uma
passagem tão curta que nos devíamos preocupar apenas em ser felizes e
verdadeiros connosco próprios e com aqueles que amamos. Como dizia o Bernardo
Sassetti, temos que ter liberdade interior, e não viver obcecados com as marcas
e os modelos que esta sociedade de consumo e altamente competitiva nos obriga a
seguir.
Frei Betto conta-nos isto:
Ao viajar pelo Oriente, mantive contactos com monges do
Tibete, da Mongólia, do
Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos
seus mantos cor de açafrão. Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de
São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares,
preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já
haviam tomado café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro
café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos
produz felicidade?'
Encontrei Daniel, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e
perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'.
Comemorei: ‘Que bom, então de manhã você pode brincar, dormir até mais tarde’. 'Não',
retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...' 'Que tanta coisa?', perguntei.
'Aulas de inglês, de balé, de pintura, piscina, e começou a elencar seu
programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse:
'Tenho aula de meditação! Estamos construindo super-homens e super mulheres, totalmente
equipados, mas emocionalmente infantilizados.
Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em
1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias
de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me
preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho óptimo,
vamos todos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha,
não tinha uma celulite!' Mas como fica a questão da subjectividade? Da
espiritualidade? Da ociosidade amorosa?
Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em
seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma
preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual.
Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também
eticamente virtuais...
A palavra hoje é ‘entretenimento’; domingo, então, é o dia
nacional da imbecilização colectiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai
lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a
publicidade não consegue vender felicidade, passa a ilusão de que felicidade é
o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este ténis,
usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!' O problema é que, em geral,
não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba
precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.
O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de
todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se
viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são
indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.
Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade
Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil,
constrói-se um shopping-center. É curioso: a maioria dos shoppings-centers tem
linhas arquitectónicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de
qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro
sente-se uma sensação paradisíaca: não há mendigos, crianças de rua, sujeira
pelas calçadas...
Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno,
aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas
capelas com os veneráveis objectos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas.
Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Deve-se passar cheque
pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório.
Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente,
terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados na mesma mesa, com o mesmo
suco e o mesmo hambúrguer do Mc Donald...
Costumo advertir os balconistas que me cercam à porta das
lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático.' Diante de seus olhares
espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a
cabeça percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o
assediavam, ele respondia:
"Estou apenas observando quanta coisa existe de que não
preciso para ser Feliz"!!!
Frei Betto
2 comentários:
Quanta verdade na sua postagem precisamos de tão pouco para viver.
Quantas frases profundas e verdadeiras!!
Nos precisamos de tão pouco para viver e ser feliz apenas não damos conta disso.
Estamos sempre pensando no amanhã quando viver hoje já é uma benção.
Foi uma prazer enorme conhecer seu blog e seguir você beijos.
Evanir.
Fiquei feliz, em ter comentado no meu blogue. Estou fazendo saber, que muito gratificante, seguindo o seu blogue. Por sinal, um espaço avassalador.
Abraços abrasileirados.
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